Carta de aniversário

Minha piquinininha,

Nesse seu aniversário de dois anos, te dou um beijo daqueles assim bem apertados.

É um beijo todo especial porque através dele te espalho o amor que tenho por você, que como nosso nariz, nunca para de crescer!

Nesse dia tão colorido, te faço muitos desejos falando baixinho ao seu ouvido.

São desejos muito especiais porque através deles de conto que quando penso no seu futuro, imagino caminhos com muitas flores pra você pigá e aumentar sua coleção. Imagino um céu com lua, steias e viãos pra você se encantar. Também tem uma mesa bem farta, com uva, ovinho, brócolis, pitz e danhonhinho, e tudo o mais que te alimenta, não só seu barrigão, mas também o coração!

Nesse dia de presença só pra ti, também te dou uns presentes pra você pegar com suas duza mãozinhas.

São presentes especiais porque foram todos escolhidos pra você sentir uma surpresa misturada com alegria e fazer brotar um sorriso de felicidade que só você sabe dar e que é tão lindo, mas tão lindo, mas tão lindo, que é capaz de fazer o tempo parar e todo o resto do mundo desaparecer. Só tem coisa pa bincá, que é o que espero que você nunca deixe de fazer!

E por fim, filha, nesse dia dezessete de outubro de dois mil e dezesseis, te dou uma certeza pra um começo de jornada.

É uma certeza especial porque só uma mãe pode dar uma certeza. É que nesse coração macio que mora aqui no peitinho da mamãe, não importa quantos anos você faça. Aqui aninhada como você gosta de fazer pra dormir, sempre terá lugar pra piquinininha que morará em você, mesmo quando você já for gande!

Com ternura,

sua mamãe.

 

É tempo de amor – carta ao pai e à mãe

Querido pai, querida mãe,

Não posso imaginar direito o que é viver ao lado de alguém, diariamente, por quarenta anos, numa relação de casamento. Ouso dizer apenas que cada experiência é única e ao mesmo tempo guarda em si elementos comuns com todas as outras da mesma espécie. O que é único para cada um de vocês dois mora no mais íntimo de seus seres, tanto na intimidade pessoal quanto na que vocês compartilham. O que é comum com outros casais que vivem juntos há tanto tempo é algo que ainda não experimentei e não me arriscaria mais do que supor que seja rico, muito rico.

Entretanto a riqueza das experiências que temos só nos é revelada quando prestamos atenção, quando nos damos conta. Em tanto tempo de convivência, imagino que essa consciência fique adormecida por períodos mais longos e retorne de quando em quando. Os rituais de celebração geralmente nos ajudam a resgatá-la. Fazem-nos parar, olhar, sentir e refletir. Fazem-nos presentes, não nos deixam esquecer.

Eu mesma como filha, ao me despedir agora que vocês estão indo viajar em comemoração, percebo. Percebo de um jeito diferente, percebo sentindo, percebo grande.

Em primeiro lugar percebo como é profundo o meu amor por vocês e pelo ninho familiar que sempre me proporcionaram e continuam a proporcionar.

Percebo como é forte o vínculo que tenho com meus irmãos, o qual foram vocês que prioritariamente, sabiamente e amorosamente ajudaram a criar, cuidar e prezar.
Percebo com outro sabor uma coisa tão simples, tão simples, mas tão simples que chega a ser vital; que sem o amor que os une, eu não existiria.

Percebo a enorme gratidão que tenho por tudo, mas tudo mesmo, que vocês fizeram por mim e pela minha vida. Desde as coisas mais fáceis como acordar de madrugada para trocar fraldas quanto as mais complexas como se responsabilizar e tomar decisões por outra vida. Esse ano em particular, que também é o primeiro ano de minha vida de mãe, de construção da minha família, percebo com uma clareza estonteante o quanto vocês se doaram para que eu pudesse ter uma existência saudável, com bases sólidas, feliz e rica. O quanto vocês toleraram, muitas vezes, minhas reclamações, minhas críticas, minhas insatisfações. Hoje me parecem tão despropositadas, já que sei, por experiência, quão desafiador é ser um pai, uma mãe e um casal criando um filho. Sinto até uma pequena vergonha de tê-las tido, mas também sei que foram importantes para o meu crescimento e mais importantes ainda porque vocês puderam tolerar e me aceitar assim.

Percebo que amor de pai e mãe é uma coisa inominável, inenarrável e ao mesmo tempo a coisa mais certa, mais poderosa, mais real e inquebrantável que alguém pode sentir, e eu tive o privilégio de ter recebido esse tipo de amor de duas pessoas como vocês.
Percebo como amo que vocês sejam os avós da minha filha, como é linda a relação que está se criando entre vocês e como assistir vocês se relacionando com ela redimensiona toda a minha experiência como criança, como filha, como mãe e como esposa.

Que importância vocês têm dentro de mim!

Acho que é isso. Com essa carta bem ao meu modo, meio rebuscada, sempre querendo ponderar sobre as experiências, meio chata até talvez, acho que é isso, acho que o que queria mesmo era que vocês tivessem certeza, sabendo dos detalhes que essa certeza implica, do lugar precioso que vocês têm no meu coração.

Desejo uma viagem (e uma continuação de jornada) repleta de amor, carinho, lembranças saborosas e divertidas e que vocês não se esqueçam que têm muitas riquezas para celebrar! Uma história recheada de momentos inesquecíveis que começou há mais de quarenta anos, que ainda está sendo escrita e que já deixou e continuará deixando um legado de amor em outras histórias.
Um grande beijo,
Sua filha.

Menina

Menina doce da mamãe
De olhar com gosto de mel
E boquinha de coração

Menina doce da mamãe
De mãozinhas acolchoadas
E de sorriso feito de seda

Se aninha no meu colo que eu te aninho dentro de mim.
Me olha assim tão simplesmente que faço espelho da sua ternura.
Tão miúda, tão feminina.

Já te vejo pela casa correndo de vestidinho
Carregando sua boneca
E me enchendo de carinho

Já te vejo desabrochar moça
E não sem lágrimas no olhos
Já até te vejo por amor chorar

Não tem nada não
Lágrimas são das coisas mais sublimes da vida
Jamais as reprima ou se envergonhe delas.

Chorar é ser mulher
Mais do que rir
Mas menos que sorrir

Um sorriso feminino pode curar.
Nele cabe tudo, cabem todos, tem paciência e compaixão
Tem perdão.

O feminino é tanto para dentro quanto para o outro.

Menina doce da mamãe
Quero guardar o perfume da sua pele de bebê
Num potinho cor de rosa
Para abrir quando for avó
E soltar suspiros felizes de saudades

Menina doce da mamãe
Que seu caminho seja suave, mas de força
Seja de flores, mas de solidez
Seja de vôos arrojados, mas de retiros aconchegados

E eu jamais, jamais esquecerei
Do toque suave da sua mãozinha de bebê-menina no meu rosto e no meu coração.

Ilustração de Rebeca Luciana

Texto inspirado no dia Internacional da mulher, 8 de março de 2015.

Dúvida de mãe

E não é que você já aprendeu a adormecer sozinha, filha? Tudo muda tão rápido, não dá nem tempo de a gente se acostumar, muito menos se preparar.

Cada conquista sua me emociona e me enche o coração. Assistir você crescendo, se enriquecendo de si mesma e das coisas do mundo.

Eu aqui desse lado, além de testemunhar e te colocar as experiências em palavras, quero te ser sempre uma guardiã invisível.

Quero que sintas minha presença atenta, mas que ela não invada seu pequeno ser.

Quero te proteger, mas sem tirar-lhe a confiança de correr riscos.

Quero te facilitar os caminhos, mas sem roubar-lhe a alegria de desbravá-los por si mesma.

São tantos os desafios que você vem me oferecendo, que no fim do dia tenho dúvidas de quem cresce mais, se eu ou você.

Foto de Tatiana Vasconcellos

Sua presença

 

 Nonnina e eu Você sabe como já vinha juntando seus objetos desde antes de você partir. Era estranho e bom ao mesmo tempo. Eu te pedia algo e a gente sabia que era pra eu tê-la por perto quando você já não estivesse mais aqui. Então era duro, porque “falávamos” da sua partida. Mas também era bom, porque eu te mostrava o quanto queria manter sua presença ao meu lado e isso dizia do nosso amor. 

Juntava também tudo o que aprendia com você e isso também você sabia. Quando, já avistando o fim, eu queria aprender piano, mesmo sabendo que não teríamos tempo o suficiente. Mesmo você me dizendo que suas mãos já não tinham a força necessária para fazer soar as teclas. Ainda assim, de vez em quando você se sentava e dedilhava as canções que aprendera com sua irmã e eu te observava pequenina, curvada e frágil e me apertava o coração.

É incrível agora, porque estou rodeada de você. Por dentro e por fora. Nos encontramos quando sinto a fluidez da minha escrita, tão inspirada na sua. Te escuto cantando apaixonada suas músicas favoritas quando vejo sua vitrola no meu ateliê. Te lembro jovem e exuberante quando uso a mesa vermelha que ficava na sua cozinha desde antes de eu ter a sorte de nascer sua neta. Sinto sua alma na minha quando me flagro persistente, corajosa, generosa, amorosa e atenta aos outros. E a corujinha colorida que me olha diariamente e espalha o perfume que eu sentia cada vez que entrava na sua casa.

Melhor que tudo isso, apenas o calor dos abraços que damos em meus sonhos.

Ah, Nonnina, que saudade!

Carta para te encontrar

Querida

Não tenha vergonha da sua necessidade de colo. O mundo simplesmente não tem como compreender tudo o que está em jogo quando você precisa de Encontro. Por vezes ele poderá fazê-la crer que se trata de uma fraqueza mesquinha, de um capricho infantil ou de loucura e desespero.

 Pois eu sei que não é nada disso.

Entendo que tens uma nostalgia de um lugar confortante, de sentir-se agasalhada, bem vinda. Compreendo que você busca um lugar onde possa descansar em confiança e relaxar até adormecer. Vejo seus olhos vigilantes, sempre tentando garantir que seu lugar dentro do outro não desaparecerá. Sei que tentas cuidar de tudo, para que o chão não lhe falte de repente, para que a presença do outro não se esvaia no ar, para que não sintas na pele o descuido, para que suas palavras não caiam no abismo da não-comunicação, para que não sejas recebida com desprezo ou indiferença.  Compreendo também que quando isso acontece você sinta que a vida não tem sentido e que nessas horas você consiga apenas se deitar, recolhida numa concha feita pelo seu próprio corpo e com sorte consiga adormecer, embrulhada num sono que ao mesmo tempo te acolhe e te aliena da dor de sentir-se desamparada, rejeitada e sozinha.

Te escrevo essa carta entretanto, para que através dessas palavras que pronuncio com calma e doçura, saibas que tudo isso que sentes e almejas tem um sentido. Seus primeiros colos foram por demais instáveis e aflitos. Foram colos que pediam colo e, por isso, ao invés de construírem redes para te ninar e assegurar, deixaram buracos profundos na sua alma, que hoje aparecem no seu corpo sedento por toque e calor, na sua busca por olhar sereno e atento, no seu anseio por comunhão.

 Essa é sua história, e ela, junto de outras coisas, lhe constituiu com esses anseios. Você não só pode como deve continuar buscando seus recantos de segurança, encontros ricos em amorosidade e compreensão, possibilidades de entrega, relações de confiança. É isso tudo que a tornará fortalecida, inteira, existente. São essas experiências que lhe possibilitarão exercer a sua vitalidade, gozar a vida, se tornar fecunda, e assim, REALizar-se no mundo.

Não tenha medo de procurar, por medo de não achar.

Olhe ao redor, sei que você sabe reconhecer. Seu corpo reage quando há um anúncio de possibilidade de Encontro. Escute bem, seu coração irá bater diferente. Seus olhos se abrirão ávidos e felizes, um esboço de sorriso se desenhará no seu rosto. E depois, depois do Encontro, sua alma dançará alegre, numa vontade de viver para sempre. E terás milhares de desejos, sua mente inundará de idéias criativas, seu corpo lhe parecerá imortal e imbatível e tudo fará sentido. E será essa experiência que lhe possibilitará ter mais serenidade e tolerância com os infindáveis e inevitáveis desencontros da existência.

Desejo-lhe sorte na sua busca, luz  no seu caminhar e esperança para os momentos de desengano.

Com amor, Tatiana.

Sobre faxinas e lembranças

Numa dessas faxinas que a gente começa meio sem querer (meio, porque ao fim, parece que precisávamos), mas numa dessas faxinas em um armário do meu consultório, na sala de crianças, deparei-me com três gavetas com várias caixas dentro, com vários bilhetes, cartas, cartões e afins de um período da minha vida (de 93 a 98 ou dos dezesseis aos vinte e um) que compreendeu as duas viagens mais longas e muito significativas que já fiz.  Uma para os Estados Unidos, onde vivi por um ano como “Exchange student” e a outra para Europa, onde fiquei por 3 meses, “mochilando”. Na primeira eu tinha 16 e 17 anos e na segunda, tinha 21.

Encontrei cartas de tudo quanto é tipo. Cartas de amigos, pais, irmãos, familiares, namorados, paqueras, alunos e estranhos. É, estranhos. Foi estranho, mas li duas cartas e um bilhete de pessoas que conheci e de que não me lembro absolutamente nada! Um pouco aflitivo pra falar a verdade, porque eram escritos de muito carinho e admiração. Devem ter sido aquele tipo de encontro de um ou dois dias, mas que são muito intensos, pois são realmente um encontro. Nunca saberei, mas talvez eles também não se lembrem mais de mim.

A bem da verdade, gosto muito desses momentos nostalgia. Sempre choro um pouco, em geral lendo os bilhetes da minha avó, dos meus pais e dos meus irmãos. Uma coisa impressionante é que estou quase certa de que minha avó me escreveu um bilhete de aniversário em todos os anos da minha vida. Dessa vez, resolvi começar a juntá-los para depois conferir. Sempre muito dedicada e caprichosa, com sua escrita bela, sábia e profunda, mas o que me arranca lágrimas é mesmo o seu amor. Quando ela ainda estava viva de verdade, chorava de emoção, agora que ela vive dentro de mim apenas, choro mesmo é de saudades.

O que realmente me toca em suas cartas é que tenho certeza absoluta de que cada palavra escrita estava carregada de sabedoria proveniente de sua experiência de vida e que cada conselho seu, era realmente um desejo de me oferecer um saber que seria importante e útil para mim, para a minha vida e felicidade. Em outras palavras, sinto seu amor e sua presença em cada frase.

Outra que me emocionou muito foi a carta de aniversário de 18 anos, que minha mãe me escreveu. Ela contando o que sentia tendo a filha mais velha tornando-se adulta, lembrando de quando eu tinha nascido e dos “milhões de ‘querer saber’ que apareceram: como será que ela vai ser? Como será a personalidade dela? Será que ela vai ser feliz? Claro que vai, se depender de mim, vai! Vai casar? E o marido dela? Que gracinha…ele deve ter 2, 3 ou 4 aninhos… Será que ele está aqui no berçário? Será que ela vai ser bem sucedida? O que será que ela vai ser? Médica? Arquiteta? Nada, uma vagal? Vai ter filhos? Quantos? E assim foi e continua até hoje” Achei tão bonito isso, tão mãe… Que sorte a minha ter uma mãe, mãe.

Sempre rio e choro ao mesmo tempo, ao ler os bilhetes do meu irmão Lú:

Não tem data, mas deve ser do período em que estava nos Estados Unidos. Acho que esse bilhetinho foi junto numa das mil cartas que minha mãe me escrevia semanalmente…

Esse outro, é demais. Encontrei na minha cama no dia que cheguei de viagem:

Continua fofo e figura.

Também ri bastante ao ler as cartas e bilhetes da minha primeira amiga da vida, Fer (que por sinal permanece), lembrando de nossas brincadeiras de infância, códigos secretos, amores platônicos, baladas e viagens da juventude. Seu jeitinho único de escrever, sua letra, que de tão familiar parece a de uma irmã, sua maneira tão peculiar de ser, séria-engraçada, que eu tão bem conheço! Dessa vez encontrei todas as cartas que ela me escreveu durante esse ano (93/94), contando do seu primeiro ano na faculdade e suas peripécias com os caras!

Das amizades, mais duas chamaram a atenção. Um, um amigo que fiz quando morei na Europa. Um australiano cujo apelido nós cunhamos de “Filly”, por conta de só comermos pão com queijo Filadelphia, já que passamos algumas semanas praticamente sem dinheiro. Ele me apelidou de Miss Muffett, já não lembro por que. Trabalhamos juntos no mesmo albergue em Roma e depois viajamos juntos por duas semanas (Roma, Siena, Veneza, Brig (Suíça), Londres) que mais pareceram um dois meses, tamanha riqueza do tempo juntos. Encontrei a carta que ele me escreveu e me deu no dia que em que ele iria voltar pra Austrália e que não sabíamos se iríamos nos ver alguma outra vez na vida. (Na verdade sabíamos que as chances seriam remotas.) Ele escreveu uma carta de 4 páginas, linda, engraçada, extremamente bem escrita e rica de pensamentos e sentimentos profundos que me deixaram surpresa e feliz de perceber como já éramos maduros para algumas coisas, como já sabíamos cuidar de nós mesmos e dos outros e como sabíamos aproveitar a vida e os encontros especiais que ela oferece. Fica aqui alguns trechos em homenagem a esse querido amigo do outro lado do mundo, já que tudo que ele descreve é recíproco.

“It has been such a blast to have spent the past two weeks travelling with you, so much so that my experiences over the time since we made a famous exodus from Rome have been and always will be ones I will hold forever close to my heart.”

 “Even though at times recently we have both been desperately deep in shit up to our necks, somehow between us we have managed to pull ourselves through, miracously surviving the greatest pending threat from the evil forces of the dollar gods who hold such a tender thread over our heads at times.”

 “Thank you for being the voice of reason, calm and strength when I have sat bewildered, angrily staring into space for answers to problems which seemed like they could overwhelm my little world – and thank you so much for  pulling me back to reality during times of complete shite and showing me the way towards acceptance”

 “In a short period of time, and over lots and lots (molto, molto) of red wine plus a few Julius Cesar beers, we formed a bond which I hope we can keep forever more”.

Infelizmente nos falamos apenas mais algumas vezes logo depois que voltei da viagem, mas a lembrança da ligação que formamos se manterá forever more.

Retomando, a outra carta que encontrei de um amigo querido, o Mau, trouxe alegria e risos, mas também reativou uma dor que parece não passar nunca. De todos os amigos homens que tive, sem sombra de dúvida esse foi o mais especial. Nos conhecemos na escola, primeiro colegial, e na época da minha viagem pra Europa, estávamos no auge da nossa amizade, amizade que eu jamais poderia imaginar que acabaria um dia. Nas primeiras semanas que estava lá, na Itália, passamos alguns dias juntos (ele estava de passagem, indo morar em Londres) e foram dias inesquecíveis. Essa carta que achei é de um tempo depois, quando eu já estava de volta e ele na Inglaterra. O que mais gostei e ao mesmo tempo, o que mais me doeu, foi ter relembrado do seu jeito maluco/sábio de ser! Nada com ele era convencional. Sua carta tinha Parte I, Parte II e Parte III, numa letra quase impossível de ler, a escrita sendo praticamente um jorro de seus pensamentos e sentimentos, absolutamente sui-generis.

“Parte I: Tati, minha amiga favorita mesmo que não fosse a única! Sabe que sua carta número 1 me fez rir e chorar! Puta que viagem! E que saudades tb! Soou-me como uma “comédia da vida privada”. To falando sério! – Grande parênteses – (e olha como isso é importante; lembra do episódio dos 4 amigos que se encontram a cada 4 anos para assistirem a Copa do mundo juntos? Senão te conto em breve, muito loco e com tempo) E agora falando sério, veia Tati, estamos ficando veios!! E que delícia, não? Quantas estórias contadas e vividas no passado, resolvidas e revividas no presente. E o futuro? Bem, 3 cartas em diferentes tempos e situações, coisas acontecendo, boas e ruins – it doesn’t matter! É a vida! Eu estava com raiva de você sabia? Acho que porque vc foi embora sem falar comigo ou porque não me escrevia. “E de volta para o futuro” Parte II: “Previsões para o futuro”! Não falo de psicologia pois isso já havia sido prescrito por Buda a mais de 1000 anos atrás; falo que os instantes seguintes serão os que tiverem que vir, ou melhor – psiu, hein, você!! Ouve isso! Vim aqui pra viver!! Entendeu? Viver!! I really don’t care about it, girl! Anyway, coisas magníficas vindas do além, só pra variar! (…) Passando da aula do verbo to be pra falar de mim; loucura é a verdade em que aqui vivo cada dia, um depois do outro. Fui atrás dela, até me sentir pleno, inteiro e louco! Vivo em paz com os meus sentimentos e em harmonia com os meus sonhos. (…) Parte III: 26 de fevereiro terminam as aulas e então irei viajar pela Europa. Talvez Paris, Barcelona, Bruxelas ou Amsterdã again. E depois NY. Talvez tentar o sucesso ou a máfia. E pra vc que talvez escreva uma tal tese sobre aniversários – devo chegar no Brasil no dia 8 de abril, ta!!? E só para que conste nos altos – Álbum 7, música 8. Letra e música, tá?”

Fui atrás da música. Pequeno parêntese: (Mau e eu éramos viciados, aficionados por Legião Urbana. Por sinal foi ele quem me deu toda a coleção no meu aniversário do ano anterior. Passávamos o dia mandando mensagens pelo BIP com trechos de letras, um para o outro). “Soul Parsifal”, do álbum Tempestade. A música é alegre, a letra profunda. Ao ouvi-la posso vê-lo em cada estrofe, mas não ouso falar do que ele sentia, como a própria música adverte. Digo apenas do que sinto: uma profunda pena por não tê-lo mais presente em minha vida, no meu dia-a-dia. Até hoje não sei ao certo porque rompemos. Tudo que sei é que fiz algo que o desagradou e meu pedido de desculpas parece não ter sido o suficiente. Mas ainda somos jovens e a vida dá muitas voltas. Se tem uma coisa que tenho de sobra, é esperança.

Enfim, isso aqui já ta ficando longo demais. Mas precisava fazer essa pausa, registrar esses momentos, essa parte da minha história. Todas essas lembranças me ajudaram a retomar facetas minhas esquecidas. Às vezes o presente fica presente demais. Agora vejo que não era à toa que ultimamente vinha lembrando tanto da minha viagem pra Europa… Lá encontrei boa parte de mim mesma, nos dois sentidos. Foi bom relembrar, pra não esquecer.

Apesar de ter sentido saudades das cartas escritas à mão, da letra de cada um, que revela tanto do nosso jeito de ser, do amarelo do papel, que nos dá a verdadeira dimensão da passagem do tempo, mesmo assim sou grata ao mundo digital, pois sem ele não teria com quem compartilhar tudo isso, provavelmente teria escrito esse texto num dos meus cadernos e só eu mesma iria ler, quem sabe daqui uns 10 anos…

Nascimento e morte

Não sei em qual nascimento estou. Dos que tenho plena consciência, esse é o terceiro. Das mortes também. Hoje chorei de luto e gargalhei alegre e aliviada ao sentir que nascia. É assim mesmo: tudo ao mesmo tempo. Na verdade, um não existe sem o outro. De tudo, o melhor: de tão pronta para me deixar morrer, nem sei de quê estou me despedindo; e de tão pronta para nascer, sei exatamente o que estou me tornando. O ovo começou a quebrar. É a vida pedindo passagem. Agora, uma breve prece: Espero que a rotina não me deixe esquecer. Espero que eu não me assuste muito. Espero que eu encontre outras vidas com sede de viver, para que me ajudem a permanecer no meu caminho, na minha busca. Espero que eu não me defenda, achando que já sou livre. Espero que eu tenha coragem e espero que seja logo, porque o tempo voa e não perdoa ensaios demorados demais. Que assim seja, amém.

 

Guerra e Paz

Queria mesmo era escrever um post detalhado sobre a experiência de ter ido ver os painéis de Portinari – Guerra e Paz – no Memorial da América Latina. Porém estou com o tempo escasso e não posso deixar de recomendar essa exposição. São dois painéis de 14x10m, da mais linda e expressiva arte. A exposição é gratuita e fica até dia 21 de abril. É de cair o queixo. Deixo aqui algumas sugestões:

– Veja primeiro os painéis e depois os estudos da obra

– Olhe demoradamente primeiro para o painél guerra, primeiro de longe e depois de perto. Depois para o paz (do mesmo jeito) e depois volte a olhar para o guerra

– Se puder ir durante a semana, imagino que deva ser melhor. Fui num domingo e estava bem cheio.

Esse é o site oficial da exposição. Lá, se pode passear pelos painéis. Eu faria isso apenas depois de ir à exposição. Mas enfim, cada um com seu jeito de apreciar as coisas, é que eu não abro mão de ser surpreendida jamais!

Enjoy,

T.